Mito e Realidade
Quando eu era criança,
diziam-me:"Não tenha medo de se perder. Use sua língua,
pois quem tem boca vai a Roma". Mas mal atravessei a fronteira do
meu país e defrontei-me com outra realidade: o idioma que falavam
não era o mesmo que o meu!
Aconselharam-me: "Quer se comunicar com estrangeiros?
Use os idiomas que você aprendeu na escola!". Mas de que maneira,
se através dos idiomas que aprendemos durante anos na escola mal
conseguimos balbuciar algumas frases?
Disseram-me: "Falando inglês, você
será compreendido em qualquer lugar do mundo!". Mas, um dia,
num vilarejo espanhol, presenciei um acidente entre dois automóveis,
onde os motoristas - um sueco e um francês - em vão procuravam
se entender e se fazer entender pelos policiais espanhóis. Certa
vez, numa cidadezinha tailandesa, vi um angustiado turista tentar explicar
o que sentia ao médico local, sem conseguir seu intento. Durante
anos trabalhei para a ONU e para a OMS, nos cinco continentes, e por toda
parte, fosse na Guatemala, na Bulgária, no Congo, no Japão
ou em qualquer outro país, constatei que através do inglês
só conseguia me comunicar com os empregados dos grandes hotéis
e das companhias de aviação
Disseram-me: "Graças às
traduções, culturas de todos os povos são acessíveis
a todos". Mas quando comecei a comparar os textos originais com as
suas traduções, encontrei tantos erros, que cheguei à
triste conclusão que "tradutore... traditore".
Disseram-me: "As grandes potências
querem ajudar o Terceiro Mundo, respeitando as culturas nacionais".
Percebi, no entanto, que as mais fortes pressões culturais são
exercidas pelo inglês e pelo francês. Em primeiro lugar, a
língua do país que concede o auxílio é sempre
imposta nas relações com o país que o recebe. Entretanto,
inúmeros problemas surgem quando, em programas de treinamento, os
técnicos dessas potências procuram, através de seus
idiomas, fazer-se entender pelos treinandos, que não possuem em
suas línguas locais os mais elementares livros didáticos.
Disseram-me: "A instrução pública
garantirá a igualdade de oportunidades para todas as crianças".
No entanto, vi, principalmente em nações do Terceiro Mundo,
famílias ricas enviarem seus filhos aos Estados Unidos ou Inglaterra,
com a única finalidade de aprenderem o inglês, enquanto que
do outro lado vi a grande maioria da população encarcerada
no próprio idioma nacional e submetida a essa ou aquela propaganda,
permanecer num estado sócio-econômico inferior.
Disseram-me: "O esperanto fracassou".
Entretanto vi, num vilarejo europeu, filhos de camponeses, após
6 meses de estudo do esperanto, comunicarem-se fluentemente com visitantes
japoneses.
Disseram-me: "Falta ao esperanto um
valor humano". No entanto, aprendi o idioma, li suas poesias, ouvi
suas canções. Nessa língua comuniquei-me com brasileiros,
chineses, iranianos, poloneses e até com um jovem do Uzbequistão.
E eis que o outrora tradutor profissional deve confessar a vocês
que essas conversas que manteve foram, sem dúvida, as mais espontâneas
e profundas que, algum dia, experimentou num idioma estrangeiro.
Disseram-me: "O esperanto e a cultura
são incompatíveis". Entretanto, onde quer que eu fosse,
seja na Europa Oriental, na América Latina ou na Ásia,o nível
intelectual dos esperantistas era muito superior ao dos seus concidadãos
de mesmo nível social. E quando presenciei debates internacionais
nessa língua, muito me impressiou o nível dos participantes.
Naturalmente, mencionei fatos dos quais fui testemunha.
E a todos eu disse: Venham! Vejam! Existe algo extraordinário: uma
língua que resolve satisfatoriamente o problema da barreira lingüística.
Vi um húngaro e um coreano discutirem sobre filosofia e política
numa fluência inacreditável, para quem havia aprendido o esperanto
há pouco tempo. E eu vi isso e muito, muito mais...
Mas retrucaram: "Nada disso nos interessa,
pois é sabido que o esperanto não é um idioma natural".
Sinceramente não entendo. Quando aquilo que vai dentro do coração
do homem, quando todos os seus impulsos, quando as mais sutis nuances do
seu pensamento são comunicadas diretamente por meio de um idioma,
dizem-me: "Esta língua não é natural".
Mas, então, o que é natural? Será,
na falta de um idioma comum, a mudez de homens sedentos de diálogo? Será
a incompreensão causada por um idioma feito de gestos mal compreendidos? Será
a subnutrição cultural daqueles a que a diversidade lingüística
impediu o acesso a obras da cultura universal? Ou será "natural"
o ridículo daqueles que, após anos e anos de estudo na escola
não conseguem se exprimir com clareza no idioma alheio? Vejo, isso
sim, a desigualdade e a discriminação lingüística
prosperarem no mundo inteiro. Vejo diplomatas e especialistas, através
de incômodos aparelhos, ouvirem de vozes alheias aquilo que o seu
interlocutor lhes quer comunicar. Será tudo isso, enfim, uma "comunicação
espontânea "?
Das duas uma: ou querem me enganar ou estou ficando
maluco!
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