Por que o alfabeto latino, se o Esperanto se propõe universal?
Precisamos poder escrever e o alfabeto é mais prático que outros
sistemas de escrita (ideogramas chineses, hieróglifos etc.). Não existe um
alfabeto que seria adequado para o mundo inteiro. Exceto se pensarmos em algo
totalmente novo, é inevitável que haja povos para os quais escrever e ler em
Esperanto seja mais fácil que para outros. A escrita latina não é o sistema mais
justo, apenas o menos injusto para a maioria. Pode-se olhar para isto como uma
solução provisória, uma solução prática do problema, se um dia for decidido a
elaboração de um alfabeto universal para a língua mundial.
A escrita, com relação à língua, não é algo realmente essencial; é para uma
língua como uma roupa está para o corpo. Se a maioria da humanidade preferisse,
poderíamos vestir o Esperanto com outra escrita, mas de forma provisória o
sistema funciona perfeitamente. Passar a um novo alfabeto inventado implicaria
em muitos problemas técnicos.
O alfabeto latino é o que usa a maioria das línguas hoje escritas.
Geograficamente ele cobre
(a) todo o continente americano (b) toda a África, à exceção da margem
mediterrânea ao norte, o Sudão e a Etiópia (c) todo a Oceania (d) grande
parte da Ásia (Malásia, Indonésia, Timor, Nova Guiné, Filipinas, Vietnã e até,
se não me engano, uma ou duas ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central) (e)
grande parte da Europa, desde o ocidente até os países bálticos e Turquia
(apenas a Grécia, Sérvia, Bulgária, Macedônia, Rússia, Ucrânia, Belarus, Armênia
e Geórgia usam um alfabeto não-latino).
Em grandes federações, como foi a União Soviética e hoje é a Índia, diversas
línguas têm seu próprio sistema de escrita; em outras palavras, não existe um
único alfabeto ou sistema para o país inteiro. Não faria sentido dar preferência
a um desses ao invés do alfabeto latino.
Algumas línguas antes se escreviam com outro alfabeto. O turco, o swahili e o
malaio usavam o alfabeto árabe, mas passaram para o latino. O vietnamita usava
antigamente a escrita chinesa, mas desde o século XVII adotou-se o latino. O
moldavo, que se escreveu com o alfabeto cirílico durante o período soviético,
desde a queda da União Soviética se escreve com o alfabeto latino.
É verdade que um bilhão de chineses usa os ideogramas, e este número pode ser
impressionante, porém:
1. Essa escrita não é adequada para uma língua mundial, pois os ideogramas
são extremamente difíceis de se decorar (quem passa alguns anos - para certas
pessoas, alguns meses - sem escrever, esquece como fazê-lo; continua
reconhecendo os ideogramas e pode lê-los, mas não sabe mais como reproduzir
ativamente um certo número deles). Tal foi a minha própria experiência, mas
confirmada a mim não só por chineses, como por uma japonesa quanto aos
ideogramas chineses usados no japonês;
2. Na China, já há quatro décadas as crianças começam a aprender a escrever
no alfabeto latino. Elas passam para a escrita chinesa apenas quando estão aptas
a escrever e a ler com as letras latinas. Por isso em livros infantis vez por
outra se vê uma palavra em caracteres latinos no meio do texto em chinês: é uma
palavra que a criança ainda não aprendeu a ler e que ela deve decifrar pelo som
(isto não vale para Taiwan; não sei quanto a Hong Kong e
Cingapura).
Pelo fato de que o inglês se tornou a primeira língua estrangeira na maior
parte do mundo, 95% dos alunos de escolas de segundo grau que usam em sua
própria língua outra escrita, aprendem as letras do alfabeto latino. Isto vale
para a Coréia do Sul, o Irã (onde se pode escolher o francês, mas nada muda
quanto ao alfabeto), a Índia, o Paquistão e muitos outros países (todos os
árabes, se não me engano). O mesmo vale para a maioria dos alunos na Rússia,
Ucrânia, Grécia e similares. No Japão, já na idade de dez anos todos os alunos
aprendem nosso alfabeto. No Marrocos, Argélia e Tunísia as crianças aprendem a
escrever em francês.
Já que, diferentemente do inglês, em Esperanto a cada som corresponde uma
letra e vice-versa, ler e escrever no alfabeto do Esperanto para jovens que já
conhecem as letras, portanto para a imensa maioria que tenha passado do ensino
fundamental, é uma meta que se pode alcançar relativamente rápido.
É fácil criticar. É mais difícil apresentar uma alternativa útil e justa. O
que os críticos do alfabeto latino propõem como sistema de escrita para uma
língua mundial? Os que dizem "o Esperanto não é aceitável porque usa o alfabeto
latino" deixam o problema sem solução. Mas uma solução é necessária. Na prática
eles obrigam as pessoas que desejam poder se comunicar internacionalmente a usar
a língua inglesa. Isto não só as obriga a dominarem o alfabeto latino, como
também a usá-lo de uma forma muito menos fácil.
traduzido pelo Kultura Centro de Esperanto-Campinas
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